sexta-feira, 13 de maio de 2011

SAUDADE

Hoje resolvi fazer um texto autobiográfico, falando sobre essa palavra que tem seu significado muito forte no nosso idioma: A saudade.

Imagem: letrasdemusicasepoemas.blogspot.com


Às vezes me vejo sentindo isso, a falta de pessoas que passaram por minha vida, me transmitindo amor, alegria, emoção e até mesmo tristeza, mas que ao partirem me deixaram a saudade.
            Acho que comecei a sentir que nós seres humanos somos passageiros nesta vida há uns trinta anos atrás mais ou menos. Eu e minha família morávamos em uma casa simples e geminada, na casa ao lado morava outra família, me lembro que o marido era peixeiro, tinha um filho exemplar que apesar de ter um pai que era alcoólatra mantinha uma calma de se espantar, ele na época tinha uns quinze anos e moravam também na casa sua mãe e seus avôs.
            Seu Alfredo era muito religioso e foi com ele que aprendi a amar a Deus, a amar a natureza, a analisar a beleza do céu, e foi com ele que também aprendi que as pessoas que amamos um dia nos deixam irremediavelmente.
            Numa tarde fria eu fui procurar-lo no porão em que morava, ele bebia um copo de refrigerante e me ofereceu um pouco, eu não me lembro de ter ficado ali por muito tempo, só me lembro que antes que eu saísse ele pegou uma Bíblia muito usada, de papel bem fininho e me presenteou dizendo que quando eu estivesse triste ou a procura de consolo que fechasse os meus olhos e abrisse o livro. Sai feliz pelo presente. Foi o último dia que o vi com vida.
            Nas minhas lembranças lembro-me do velho Alfredo lendo alguns trechos de sua Bíblia sentado na soleira da porta de seu porão, ou então plantando uma árvore ou flores, nunca naquele caixão. Por isso a saudade que tenho é de ver as cores que através de suas mãos ele fazia florescer.
            Na década de 70 eu comecei a cursar o ginasial, não tinha muitos amigos por ser um pouco ingênua, a minha melhor amiga era seis meses mais velha que eu, naquela época ela era baixinha e muito magra. Eu era apaixonada por um colega de classe, ele era moreno, tinha os cabelos encaracolados e era alto, eu era tão boba que ficava olhando por trás das árvores, e claro que não demorou muito para que uma amiga ficasse com ele e eu sozinha atrás da mesma árvore chupando os dedos.
            Foi nessa mesma época que essa mesma amiga contou a ele sobre o meu interesse, eu na minha timidez não tinha coragem de encarar-lo; e foi assim que aproveitando a ocasião ele começou a me menosprezar e manter um longo romance com outra menina e eu só sabia morrer de ciúmes. Dessa fase de minha vida não sinto saudade, concluindo assim que esse sentimento que nos faz ir e vir no tempo só pode ser sentido quando ligado de alguma forma à felicidade.
            Eu freqüentava nessa época a casa da minha melhor amiga quase que diariamente, lembro-me quando numa tarde sentada na área estava sua irmã mais velha, muito bonita, ela trabalhava como secretária e vivia muito triste porque descobriu estar com diabetes, não saia mais de casa, não conseguia mais trabalhar por causa da visão e as injeções cada vez mais insuportáveis, ela reclamava não ter mais um lugar sequer em seu corpo sem marcas e estar completamente desanimada com o regime alimentar que era obrigada a seguir.
            Uns quinze dias depois dessa conversa ela passa mal depois de voltar de um baile, desmaiando, tendo que ser internada com urgência, pois constava nos seus exames um grau muito alto de açúcar no sangue. A morte não faz acepção de pessoas, simplesmente escolhe.
            Mas na minha saudade eu procuro não lembrá-la daquele modo inerte, e sim à beira do forno olhando pra ver se o bolo já estava pronto, ela gostava muito de cozinhar e é assim que a vejo em minhas lembranças.
            Na década de 80 entro no colégio, novos amigos, tempo de independência, idéias próprias e novos amores. Foi numa noite de junho, desiludida com a vida, a escola ainda vazia que vi pela primeira vez meu também primeiro grande amor, “ou na época eu pensava que fosse”. Ele cursava química e estava parado de pé com as mãos nos bolsos, foi paixão à primeira vista.
            Comecei a paquerar-lo discretamente. Primeiro conheci todos os seus amigos de classe no intuito de estar mais próxima a ele, mas essa tática não funcionou. O ano passou e eu não consegui mais nenhum olhar sequer dele, só me restava à esperança do ano seguinte. Minhas férias passaram rápidas e monótonas. Eu voltei mais bonita para a escola, pois tinha resolvido conquistá-lo.
            E foi em um dia desses de aula, numa noite muito chuvosa que ao sair de uma prova mais cedo vi minha melhor amiga conversando com ele, nem acreditei, fiquei parada evitando por alguns instantes aquele encontro, mas enfim era a minha grande chance, afinal em todos aqueles meses era isso que eu desejava tanto.
            Cheguei de mansinho, feito ratinha com medo da ratoeira, morrendo de medo da minha voz não sair na hora, minhas pernas tremiam, e eu não sabia agora o que fazer. Acho que com palavras não conseguiria descrever o encanto que senti. A conversa transcorreu normalmente até que começou a chover, lembro-me que tinha um carro bem perto que tocava uma canção que dizia “deixa chover... oh, deixa a chuva molhar... dentro do peito tem um fogo ardendo que nunca vai se apagar...”. Eu sinceramente nem sentia os pingos que me molhavam toda, estava tão feliz que nada podia diminuir aquela sensação de estar completamente envolvida e amando.
            Depois desse primeiro encontro ainda tivemos a oportunidade de nos falarmos por mais duas vezes, a primeira foi quando fui internada por semanas em um hospital por causa de uma úlcera nervosa devido à separação de meus pais e a última, em minha formatura.
            Não consegui convidá-lo para o baile, mas ele estava lá me olhando. O tempo todo ficamos assim só nos olhando, hoje acredito que não estávamos predestinados a sermos um, acredito que éramos diferentes, que não existia amor o suficiente, só um encanto que eu sentia e ele nem sabia como lidar com isso.
            No término do baile ele veio a meu encontro, disse que tudo estava muito bonito, que eu estava linda e disse: Até um dia.
            Eu poderia ter dito também, até um dia, ou até a próxima semana, mas não! Eu disse Adeus...
            E depois passei o resto da madrugada chorando muito, pois sabia ser aquela noite a lembrança que guardaria em forma de saudade, pois agora eu sabia o significado daquela palavra.

Sara Mel

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