quarta-feira, 6 de julho de 2016

NÃO PODEMOS SOFRER TANTO POR AMOR



E quem irá dizer que nunca passou por isso...
Eu tenho várias lembranças de sofrimento por causa do amor. Antes é claro de entender o verdadeiro significado dessa pequena palavra que contém o sentimento mais poderoso do mundo.
A primeira vez que sofri por amor foi ainda quando eu estava cursando as primeiras séries iniciais na escola primária. Eu era uma menina muito comportada, estudiosa e tímida e fui me apaixonar justamente pelo garoto mais popular da sala e também o mais exibido, meu erro foi deixar ele perceber que eu o amava, ou achava que era isso que sentia na época, a partir desse momento ele começou a me ignorar completamente, e quando se sentava atrás de mim e percebia que a professora estava distraída escrevendo na lousa puxava fortemente minhas tranças longas e negras, doía o puxão e doía porque eu não entendia como alguém que eu tanto gostava pudesse me machucar tanto. Um dia eu cheguei à escola muito irritada, queria ficar quieta no meu canto, tinha uns nove anos e quando escutei o ding-dong atrás da minha orelha e a dor das tranças sendo puxadas, não pensei duas vezes e virei-lhe um belo tapa que fez um barulho tão grande que a professora escutou e me colocou de castigo para segurar um pingo acima da minha cabeça. Todo meu braço doía, porém não menos que o rosto vermelho daquele menino malvado. Depois disso todos acharam que eu havia deixado de amar aquele tonto, porém coração é terra sem controle, eu ainda gostava daquela figura estupida que só sabia desfilar na minha frente cada semana com uma jovenzinha diferente. Até que um belo dia, final de aula ele resolveu me enfrentar de novo, só que desta vez com um público bem maior, me interceptou e perto de todo mundo me convidou “para dar uns amassos”, a minha reação foi tão violenta que tive que ser resgatada do pescoço dele pelos inspetores da escola. Não fui punida naquele dia porque vários alunos saíram ao meu favor contando o que ele havia me proposto em alto em bom som. E aos meus onze anos de idade tive minha primeira desilusão amorosa.
Alguns anos depois eu pude terminar essa pequena relação de amor e ódio. Estava cursando o segundo grau (atual ensino médio), já não era o mesmo patinho feio, tudo bem que também não era um cisne, entretanto o tempo fez a roda da vida girar e um belo dia recebi um bilhete dizendo que muito precisava me ver, pensei que naquele momento ele já não poderia me fazer sofrer, subi as escadas da quadra iluminada do colégio e lá estava ele com a cara mais apaixonada que podia fazer. Como se fosse um gentleman me ajudou a subir, colocou sua blusa para que eu sentasse, pegou nas minhas mãos e fez a mais linda declaração de amor que eu já tinha ouvido até aquele exato momento, mas isso em nada me emocionou, meu coração parecia nem bater no meu peito, eu estava tão tranquila ao seu lado que tive naquele momento a certeza absoluta que ele jamais me emocionaria e o melhor foi a constatação que tive naquele momento de que nunca poderia ser feliz ao lado dele. De forma muito educada me levantei, olhei as horas (naquela época usávamos relógio de pulso) e apenas disse que não poderia perder mais uma aula. Sai sem olhar para trás e nunca mais o vi.
A segunda vez classifico como sendo a mais suave e criativa que tive. Foi das experiências amorosas àquela que mais me fez sonhar. Eu ainda estava cursando o curso técnico quando conheci o segundo garoto que mais gostei na minha vida. Ele era moreno claro, tinha os cabelos negros e sempre estava apressado, eu cursava contabilidade e ele química. Eu era uma espécie de estudante invisível para ele, não me notava e nem me conhecia e eu achava ele um “gato”. Estava sempre rodeado de colegas e chegar e me apresentar seria impossível, naquela época as garotas esperavam que eles tomassem a iniciativa e o que percebi foi que se dependesse desse moço eu jamais falaria com ele. Mas o destino traça vias que a gente nem espera e um dia simplesmente perdi a hora da primeira aula e o coletivo que o trazia atrasou e o único lugar no banco de espera vazio era ao meu lado e ele se sentou. Nesse dia conversamos, ele se apresentou falou sobre seu curso e eu sobre o meu, uma conversa muito natural, eu bobamente achei que isso era o começo de tudo, mas não era, ele não voltou a se atrasar e muito menos a me procurar e eu só pensava nele e sofria por me sentir rejeitada. Fiz vários planos de aproximação que falharam, dentre eles ficar amiga de seus amigos, descobrir seu telefone e dar vários trotes, até claro que um dia ele disse. ̶  Sei que é você, diga logo o que quer!  ̶ Desliguei o telefone imediatamente e nunca mais liguei. Nessa época fiquei muito doente, tive úlcera nervosa e fiquei internada vários meses, uma amiga resolveu ir falar com ele e pedir para me visitar. Não esqueço a cara de desesperado que ele fez ao me ver, acho que achava que eu iria morrer, ficou plantado nos pés da cama segurando a borda sem falar absolutamente nada, hoje sei que deve ter sido uma experiência terrível para aquele pobre coitado. Quando enfim minha formatura chegou ele já não estudava no colégio, mesmo assim mandei um convite por um amigo em comum, desejei de verdade que ele fosse meu padrinho, esperei o máximo que pude por sua confirmação, mas ele não aceitou. No dia do baile me arrumei cuidadosamente porque no fundo ainda tinha a esperança de que ele fosse me ver, convidei para ser meu padrinho um velho amigo de minha mãe e aceitei meu destino, afinal era um dia muito importante para não ir e tentar aproveitar o máximo possível. Lá pelas tantas, ele apareceu com um amigo, veio me cumprimentar e só, ficou o tempo todo me observando e conversando com seu colega, já era quase quatro horas da manhã quando minha mãe enfim disse, que iriamos embora. Quando passei pela portaria ele estava parado feito um dois de paus, veio se despedir com um até logo sem graça e eu em resposta apenas disse uma única palavra, adeus. E nunca mais o vi.
Mas o tempo.... Ah, o tempo tudo explica. Anos depois já formada na faculdade conversava nesse mesmo colégio, agora como professora de língua portuguesa com uma colega de trabalho, conversa vai... conversa vem... E ela do nada começou a falar da época de colégio e vimos que estudávamos apenas cursos diferentes. Ela então me contou que namorava um rapaz que fazia química, que por coincidência era o mesmo que eu gostava, disse que foi a experiência mais tosca da vida dela, que ele era muito esquisito, que a família dele era estranha e que ele tinha um comportamento que ela não gostava, que era grosso e sem educação. Não parecia ser a mesma pessoa que eu pensava conhecer e mais uma vez pensei.... Meu Deus do que me livrei!
A terceira vez foi também muito marcante. Aquele tipo de amor que surge quando a gente não quer se apaixonar, quando a gente está bem do jeito que está sem precisar de complicação. Ele era um ano mais velho que eu, mas com uma vivencia bem maior que a minha, ele não parecia ser um garoto de dezoito anos, já trabalhava e dirigia seu próprio carro, o que na época era raro. Era muito conhecido na cidade e diferentemente dos outros dois, não fui eu a me interessar por ele primeiro, talvez por isso eu não tenha previsto o estrago que faria em meu coração. Resumindo.... Fomos amigos antes de sermos namorados, o que facilitava a comunicação e aceitação da minha família, mas algo nos distanciava e muito, eu era uma menina completamente obediente e incapaz de desobedecer minha mãe, então quando depois de um ano e meio de namoro eu disse não para certos avanços ele me trocou por outra. Dessa vez eu entendi o que era sofrer por amor, pois eu convivia com ele quase todos os dias, confiava meus problemas e sonhos, desejava ter uma vida juntos, apesar de saber que ele não era um homem confiável, pois tinha um talento nato para encantar as pessoas, principalmente as mulheres. Então no dia, que eu disse não e ele disse adeus, eu chorei porque não entendia como minhas limitações poderiam ser mais importantes que o amor que eu sentia. Não passou muito tempo para que ele se casasse e constituísse família, a partir daquele dia em que cada um fez sua escolha não nos vimos mais, cada um procurou ser feliz a seu modo. Eu me casei e entre namoro e casamento convivi vinte e quatro anos com o pai do meu filho.
Trinta anos depois tive a oportunidade de rever esse rapaz que me abandonou na minha adolescência, o tempo muda as pessoas e as que não mudam perdem a oportunidade de melhorar enquanto ser humano. Graças a Deus eu não tenho mágoa alguma do que me fez no passado, o bom desse reencontro foi poder explicar que minha escolha no passado não era por falta de amor e sim por excesso dele. Talvez hoje em dia seja difícil entender alguém que teime em ser pudica, alguém que escolha se afastar da pessoa que amava para se preservar, mas pessoas assim ainda existem. E sofrem por amor muito mais que as pessoas que simplesmente vivem do modo que acreditam ser o melhor para elas.
Hoje penso que o amor não nos faz sofrer. Conheço casais que o amor os fazem felizes, pessoas que provam que amar é sim um desejo de Deus. Algumas pessoas encontram o verdadeiro amor no seu primeiro relacionamento, ainda na juventude. Outras o encontram depois de muito sofrer e passar por mudanças externas e internas para que os dois possam entender a necessidade de estarem juntos e serem felizes. E um terceiro grupo que a espera é um pouco mais longa.
Saber reconhecer o amor é divino, pois juntos formamos um só. Um não consegue existir sem o outro, em contrapartida são livres porque se amam tanto que são como pássaros que voam, mas no fim da tarde se encontram e pousam no galho da imensa árvore que chamamos de família.
É possível sobreviver...
É possível amar quando a sua verdadeira metade lhe encontrar.
Beijussara

Jussara Melo
06/07/2016



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