terça-feira, 25 de agosto de 2015

Conto: O ANEL


O ANEL
João conheceu a Mariana tempos antes de conhecer a mulher que amaria e viveria por toda uma vida. Ela era linda e filha de uma das famílias mais influentes da cidade do Rio de Janeiro, ele sabia que relacionar-se com ela seria impossível e a jovem amargurava-se por ser tão rica, tão linda e tão infeliz por não poder estar ao lado daquele que era o homem da sua vida.
Se não poderia ser a esposa de João não seria de nenhum outro, pensava Mariana nas longas madrugadas que chorava sem ser ouvida, queria viver entre os tecidos do alfaiate simples de olhos verdes e sorriso fácil que a encantou desde o início. A decisão de tornar-se freira e enclausurar-se por toda a vida tomou de espanto seus pais que já imaginavam a casa cheia de netos quando a filha desposasse um dos herdeiros mais cobiçados da cidade. Porém Mariana não pensava obedecer as normas daquela sociedade sem amor, sem liberdade e sem opção de escolha.
Mariana procurou o ourives mais respeitado da cidade e encomendou aquilo que seria a única lembrança que João teria de sua existência. Pediu que fizesse um anel e que gravasse nele as iniciais de seus nomes. Quando Mariana o colocou em suas mãos o menino imediatamente se transformou em homem e as primeiras lágrimas brotaram acusadoras lembrando-o que ele nunca seria suficientemente bom para ela.
As portas do convento agora detinham toda beleza, toda juventude, todos os sonhos da moça sonhadora. Não seria mais vista, nem amada, nem acariciada. Os anos mostrariam a Mariana o trabalho árduo de sua escolha, ela se acostumaria a viver sem João, serviria humildemente ao que a criou.
João olhava o anel e o admirava sempre que seus dedos tocavam as iniciais de seus nomes João e Mariana. O anel não o deixava esquecer um só instante daquela menina rica que por amor se negou ao mundo. Aos poucos o trabalho começou a tomar grande tempo na vida daquele homem esforçado e talentoso, sabia que era um excelente alfaiate, mas o que recebia era pouco comparado ao que merecia. Jamais conseguiria tirar Mariana do convento e convencer seus pais de os deixarem viver aquele amor puro e verdadeiro. Teria que esquecê-la. Precisava se afastar completamente daquelas ruas que a lembravam, guardou todo o dinheiro que pode e tomou o ônibus que o levaria a São Paulo e também ao seu futuro. Junto no seu dedo anular levou o anel, levou Mariana.
A cidade de São Paulo o recebeu agitada, aqui ele não teria tempo para pensar em seu infortúnio. Abriu uma pequena alfaiataria e conheceu a Ângela. Ela não era tão bonita quanto Mariana, mas era mulher séria e trabalhadora, baixa de estatura, mas alta em determinação. Em pouco tempo os dois já estavam planejando o casamento, os pais portugueses da moça não a queriam namorando por muito tempo e assim João quando viu em uma tarde chuvosa estava com Ângela se casando. Ele tirou o anel da mão esquerda e o colocou na direita e o substituiu por uma aliança barata de oro que pode comprar com as pequenas economias que fez.
Ângela não entendia a fixação do esposo por aquele anel até que um dia quando João estava adormecido ela o inspecionou e viu as iniciais gravadas, letras que não compreendia ainda o significado, letras importantes para o homem que agora era seu esposo.
Eles tiveram quatro filhos, quatro pequenas joias que fizeram seus dias mais felizes. Ângela porem, passava os dias desejando o anel, desejando que ele o tirasse e o desse a ela, desejando que seu esposo se livrasse dele, ela não sabia ainda o motivo, mas aquele anel a incomodava. João não suportava mais os questionamentos da esposa e resolvera contar a história contida naquela joia, isso não fora uma decisão sábia, pois a partir daquele dia o anel passou a ser uma obsessão na vida daquela mulher.
Ele a pegava chorando pelas madrugadas e quando lhe perguntava o que estava acontecendo apenas ouvia.... — O anel. Foi então que depois de dezoito anos de casamento ele resolveu tirar aquilo que era sua única lembrança da menina mais linda que conhecera, e o deu à sua primogênita fazendo-a jurar que só o daria para o primeiro filho que tivesse.
João se livrou da cobrança diária da esposa determinada a destruir aquele que era seu maior temor matrimonial. A filha agora padecia o fardo de ser a guardiã daquela joia. E como fizera uma promessa ao pai a cumpriria, o anel só sairia do seu dedo quando sua filha tivesse dezoito anos também.
E como Ângela não podia ter o anel comprava joias e as guardava. João achou que felizmente depois de cinquenta anos de casados a esposa havia esquecido a história do anel, mas ele estava enganado. Ela se lembrada dele todos os dias da sua vida.
Quem o possuía agora era a neta mais velha, a primogênita o ganhara como a mãe havia prometido ao seu avô. E ela o usava como símbolo familiar sem saber a história que a joia guardava há mais de cinquenta anos.
Quando João faleceu a avó pediu para que a neta a acompanhasse até seu túmulo, seus dedos trêmulos tocavam aquele que era seu maior desejo de destruição, ela o queria para consumir, para derrete-lo até tornar-se nada. Seu esposo estava morto, mas o anel ainda estava ali intacto nos dedos de sua amada neta. Um pensamento único a possuía... — Quero esse anel pra mim.
Julia visitava a avó todo fim de semana. Numa dessas tardes, mais precisamente a última que passariam juntas a avó estava radiante ao receber a neta, e avisou: — Hoje tenho uma surpresa pra você!
            Julia viu quando a avó entrou em seu quarto e de lá saiu com um saco que parecia estar cheio de moedas. Ela disse orgulhosa: — Isso é tudo que consegui guardar em todos esses anos de vida e olhando para o anel em seu dedo disse: — Eu sempre o desejei, troco todas essas joias por ele!
            Julia então lembrou-se das palavras de sua mãe quando o ganhou. Chorou porque não poderia se livrar do anel sem antes deixar as memórias de João ir com ele.
            Naquela mesma semana a avó faleceu, Julia tirou o anel do dedo e guardou numa caixinha. Meses depois quando quis usá-lo de novo procurou-o e já não mais o encontrou.
  

 Por Jussara Melo

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